caído


não finja estar olhando
o mundo inteiro está queimando num grito de morte
vivemos um sonho de morte
e todos esperando o dia que sua grande espada flamejante
cortará o trânsito, moverá prédios velhos do caminho
(sadismo, misturado com síndrome do pânico)
um grande voyeur cria o mundo e se sente feliz enquanto o barco navega
mas quando a água começa a entrar, não existe mais capitão

os profetas estão órfãos
tem servos bêbados esperando uma revelação
nada parece bom o suficiente quando nem água nem fogo resolvem

ardem boca, olhos e ouvidos
e qualquer individualismo humano arde
em chamas, tem um homem em chamas
tem balas correndo caminhos aéreos como se fossem pragas bíblicas
tem nomes caindo, tem filhos, tem irmãos, tem avós caindo

e aí vem a música percorrendo o mundo
tem carros parados abandonados em viadutos destruídos
tem fogo no céu, tem água no chão e tem humanos flutuando no poder
dos anjos
aqueles que pagaram –queimados
e os que não pagaram, mas perderam a língua com o bolso cheio de dinheiro dos outros
-queimados

eu vi na rua um garoto olhando pro céu
contando sempre até quatro
juro que ele não tem mais tempo
nem dentes e nem fé, crianças tem um novo jeito de ter fé
mas nunca há culpado, nem nós, nem nunca
o mundo veio para fazer todas as músicas que falavam de um amanhecer
parecerem extremamente idiotas
tem gente rindo, gritando que avisou
tem gente se matando, matando outros, matando qualquer coisa
-a resposta

tem alguns rindo, os que antes choravam todas as noites até adormecer
dormiam com lágrimas ao invés de travesseiros
para alguém isso só pode ser lindo

mas olhe bem, não há mal pelas ruas
tudo está impregnado de extrema bondade e açúcar
as ruas estão carameladas
as mesas estão cheias de comida
e os olhos de todos estão podres
tem um garoto lambendo as tripas de um rato atropelado na rua
tem um mundo acabando

animais ainda não falam
nem conseguem prever catástrofes, como pensavam
por isso estamos assim, enterrados em gente morta

tem o grupo que não se desapega –venera
correm de semáforo em semáforo, jurando que Deus está no verde
o purgatório no amarelo e quando tudo fica vermelho sempre alguém morre
e como tudo fica vermelho!

mas não tem nada caindo, a não ser gente
não existem furacões
gafanhotos nem sangue jorrando das torneiras
nem seca nem filhos morrendo nem medo
não há medo –venera
e nem as coisas são só cinza e poeira
existem cores jogadas, como por acaso. Nada está destruído, mas tudo muito bagunçado
-vozes
-convulsões
-tripas de rato

ainda existe um caminho para se percorrer, sem tijolos ou concreto
sem cidade, sem campo, nem escuro nem muito claro, sem plantas –desmatado

o outro lado parece bem mais democrático
não há divisão, não há bolhas de escudo
ou tecnologia atômica que dê jeito
tem muita gente no mundo
tem muita gente no mundo
tem muita gente no mundo
tem muita gente no mundo (repita uma vez para cada censo, ciência, espermatozóide ou crime cometido; para cada perdão, arranque um fio de cabelo)

tem um adormecido na cidade, de olhos muito abertos, rodando nas órbitas
vivemos um sonho de morte
vivemos um calafrio –DI-SEA-SE
THERES TOO MANY TONGUES IN THE WORLD
THERES TOO MANY TONGUES IN THE WORLD
THERES TOO MANY TONGUES IN THE WORLD
THERES TOO MANY TONGUES IN THE WORLD (repita, se achar necessário)

e aí vem a menina, que julga ser a borboleta de estimação da morte
que julga voar na cabeça de quem morrerá
que julga ser certa, ser escolhida para viver, depois que todos forem

tem muita ciência no mundo
tem muita ciência no mundo
tem muita ciência no mundo
tem muita ciência no mundo (não repita –irrelevante)

e nesse caso a luz não servirá, eu já segui
tem um túnel, tem coisas repetidas, tem coisas caídas, tem asas queimadas
tem muita prata, tem muita bala, tem poucos carros e muita poeira
e no fim tem um menino meio sujo, desesperado, chorando rodeado de brinquedos quebrados...
brigando com fósforos na chuva
brigando com a roda que escreve as profecias

Comentários

Anônimo disse…
O despertar de um cenário vivo em meus olhos! Parabéns.

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