O Diário de um psicopata - CAPÍTULO 2: Êxodo e Levítico

- Padre, perdoa-me porque pequei!

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Minha família nunca foi exemplo, sabe padre. Como já falei, meu pai bebia e batia na minha mãe, e minha mãe descontava em mim, era quase como uma diversão, mas o problema agora é que meu pai tinha descoberto uma nova brincadeirinha, a de me ver sofrer também, mas ele não deixou de bater na minha mãe, não, ele agora apenas batia em mim também, acho que foi dele que herdei essa ânsia por querer sentir poder, talvez ele se sentisse assim quando batia nela ou em mim.
Morávamos em uma rua pequena, não havia muitas casas, mas mesmo assim, sabe como é vizinhança né? Todo mundo sabe da sua vida, mesmo que você viva recluso e não coloque nem os pés fora de casa.
E na minha rua, em especial, tinha uma fofoqueira de mão cheia, se fazer fofoca desse dinheiro ela teria a maior empresa do mundo. Saber da vida dos outros já era parte da vida dela, tanto que meus pais chegavam a dizer que ela não tinha mais vida, era uma parasita, vivia do que sabia dos outros. Seja inveja, ou raiva, sei lá, mas acontecesse o que acontecesse, ela sabia e sabia de tudo, com detalhes, acho que ela ficava espiando embaixo das janelas, por trás dos portões.
Um dia, de tão fofoqueira que ela era, ela saiu espalhando pra rua toda que a própria filha tinha engravidado de um homem casado, e a tara pela fofoca era tão grande, que só depois de contar a muita gente foi que ela percebeu que era a filha dela que tinha engravidado e que ela mesma estava espalhando a notícia, mas o senhor acha que com isso ela parou? De jeito nenhum, parece que aí foi que ela tomou raiva e gosto pela vida alheia, agora sim ela espiava e de tal forma que não fazia mais nem por onde esconder, quando você menos esperava lá estava ela, olhando, ouvindo e já correndo pra contar.
Eu era quem mais a via, não sei se porque sempre fui atencioso ou se porque ela adorava fofocar sobre meus pais, mas todo dia ela estava lá, olhando por cima do muro, pela janela da cozinha e sempre quando meu pai chegava do trabalho, às vezes ia pedir algo emprestado lá em casa, açúcar, um martelo, qualquer coisa, mas que ela pudesse passar no mínimo dez minutos sentada lá pra saber se acontecia algo. Um dia de tão irritado meu pai mandou Ana embora, o senhor sabe quem é padre, ela vem pouco aqui, mas o senhor sabe quem é, típica pecadora...
Alias, era uma das tais que falava que meu pai mantinha um relacionamento com uma mulher do trabalho dele, a Madalena, o senhor sabe né padre? Sempre as Madalenas.
Mas meu pai, esquentado que só ele, já estava cansando daquela vizinhança, mas minha mãe teimava em não sair dali, porque ficava perto da casa da minha avó, mesmo meu pai não deixando ela ir lá, mas acho que ficando perto da casa da vovó ela se sentia mais segura.
Mas meu pai insistia, ele queria ir embora dali, daquele “ninho de ratos”:

- Eu não vou embora daqui, Carlos.
- Você não tem querer. Quem te sustenta sou eu, então você vai fazer o que eu quero.

Alguns meses depois do incidente com o gato, meu pai comprou uma casa em outro bairro. Eu achei que mudando de casa, mudando de ares, tudo mudaria, por uns dias cheguei a pensar novamente que eu seria uma criança normal, que correria por aí, brincaria, viveria como uma criança precisa viver, sabe padre. Mas foi só ilusão, primeiro porque a casa em que fomos morar era maior do que a outra, acho que meu pai queria deixar minha mãe ocupada com as tarefas de casa pra não ter tempo de fazer amizades com fofoqueiras, mas não funcionou muito já que minha mãe me colocava pra fazer a maior parte do trabalho. Na nova casa não tinha quintal, ou seja, eu não tinha nem onde brincar sozinho agora. E a casa ficava mais longe do trabalho do meu pai, uma desculpa pra chegar em casa mais tarde e conseguir encobrir os casos constantes dele. Uma vez, padre, minha mãe achou o recibo de pagamento de um motel no bolso do meu pai, e como o senhor já deve estar imaginando foi surra na certa nela por estar mexendo nos bolsos dele sem ele ter dado permissão e pra quem sobrou no final de tudo? Isso mesmo, pra mim.
Me enganei ao achar que mudando de casa, de vizinhança, tudo iria mudar também, talvez tenha ficado pior. Era praticamente só eu dentro daquela casa enorme, agora eu brincava com as sombras dos meus dedos que a luz fazia na parede. Crueldade... talvez essa fosse a palavra certa para dizer o que meus pais faziam comigo, mas não sei, talvez eu fizesse o mesmo na situação deles, não queria ser humilhado por ter um filho burro, então ele teria que estudar, talvez até mais do que eu estudava. Talvez tudo isso seja só um reflexo da “educação” que eu recebi, talvez, talvez... são coisas que talvez eu nunca vá saber, só o que sei é que tudo colaborava pra que na minha mente de criança outra estória de tudo, outra visão de tudo fosse feita. Uma visão errada talvez, mas só para os pecadores que não entendem porque eles têm que morrer, mas eles têm que morrer. E alguns morreram...
Na nova casa era tudo igual, as mesmas brigas, os mesmo castigos, a mesma podridão de sempre, e agora tudo só pioraria, só pioraria...

Sou um pecador também, padre, mas só porque tentei acabar com o pecado, isso deveria fazer de mim um justiceiro de Deus, mas não, sou um pecador também...

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