"Everytime you close your eyes"


            Não faz muito tempo, as luzes do meu quarto começaram a piscar ao anoitecer. Todas as noites, a noite toda. Piscam às vezes rápidas, às vezes devagar. A luz piscando cai sobre a cama e derrama uma sombra na parede. Não faz muito tempo, eu comecei a brincar de sombras ao invés de dormir. Algumas noites, por pouco tempo. A sombra respingada no chão, eu apanhava com os dedos sujos mesmo, sem higiene que fosse para a escuridão.
            A sombra derramada intercalava estados luminosamente dolorosos e relaxantes escuridões rítmicas. Eu liguei a música, a sombra entrava no ritmo, ela tinha a batida da música. Ia caindo, sendo jogada, despejada no ritmo da música. Eu brincava de sombras na parede e sujava minha mão sem nem mais tirar a sombra que escorreu para o chão. A sombra pulsava tão forte e tão forte, que me respingava inteiro, minha roupa de dormir, minha janela dupla e meu travesseiro.
            Não era uma sombra que tingia permanentemente nada. Ela saia com água, mas se escondia no canto ao lado da minha cama. Eu não tinha medo dela, ela tinha medo da luz piscando. Era como se fosse uma mangueira, a luz, jogando água, a sombra, por todo meu quarto. Como eu poderia culpá-la por ser sombra e escura? Eu dei o canto do meu quarto para ela.
            Com o tempo ela foi crescendo e tomou o outro canto do meu quarto e a música, ela batia sozinha sem ajuda. Agora sim ela estava forte, meu quarto serviu de incubadora. Mas quem quer se livrar do seio doce da mãe? Ela não queria. E tomou meu quarto. Eu não sabia, mas ela foi trazendo terra, um pouquinho a cada noite, no bico, preparando o ninho. Tomou uma das luzes e a tomada na qual ela estava ligada. Se sentiu mais a vontade, eu sentia ela se acomodar, nem a via, mas sentia mesmo, como a pele do seu amor na hora do gozo, que invade seus poros e se impregna do seu cheiro deixando o dele em você. Eu já tinha o cheiro dela. Continuei em minha cama, noite após noite, cuidando bem, fechando as janelas durante o dia para que ela não se sentisse fraca e durante a noite eu ficava quietinho em minha cama, esperando o dia chegar para fechar a janela.
            Com o tempo ela tomou a outra luz e a outra tomada. A essa altura já tinha engolido minha mesa, meus tênis que estavam no chão, o par de meias sujas (o único par que eu tinha), o ventilador (ela climatizava o ambiente agora, era fresco e acolhedor). Comeu até as aspas que eu sempre conservei à esquerda e à direita de mim. Até o anjo que eu havia ganhado, se foi no meio dela. O que sobrou, depois que ela engoliu minha cama, foram os espaços exatos dos meus pés, pegada-a-pegada no caminho para fora do meu quarto. Eu segui e a deixei lá, mas e agora, para onde que eu devo ir? Ela esqueceu de me dizer.

Comentários

FOXX disse…
não sei o que dizer sobre esse texto, acho q eu não tava no clima para lê-lo...

pisquei talvez...
Anônimo disse…
Sombras. Justamente, sombras.
Todo renascer nos remete a sombras do desconhecido, mas, lentamente, passo a passo vamos nos redescobrindo e noe encontrando no SER.

Agradecendo e retribuindo o carinho da visita ... um verdadeiro achado poder viajar aqui por suas emoções e sentimentos ... seguindo e linkando ...

bjux

;-)
quando a sombra nos domina...
Fred disse…
O negócio é fazer a luz... hehe! Valeu pela visita Arthur, de Acari!!! Volte sempre, man!!! Hugzzz!
Anônimo disse…
Metafórico... Numa situação dessa eu diria: Não importa para onde vá, saiba seguir seus próprios passos.
Arsênico disse…
É quiiridjo... as vezes a escuridão invade nossa vida sem que possamos perceber a tempo... e quando caímos em si... ela já se instalou e só sairá com a ajuda de um exorcista!

Vá para o quarto de hóspedes até tomar uma medida plausível!

***

BayjÖs!

;-D

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