Adão

Ele me abraçava enquanto eu tentava pagar mais uma bebida. Eu sentia as mãos pesadas nos meus braços e a respiração quente na nuca e as pernas tremulas em minhas pernas. Quando finalmente consegui achar o dinheiro e receber meu copo ele me virou, me beijou com nervosismo me apertando entre os braços e me disse que queria sair dali. Perfeito. Vi que ficou surpreso por eu não querer saber para onde iríamos, mas não queria mesmo, pelo menos não naquele momento. Eu queria me perder. Abraçados fomos até o estacionamento do clube e entramos em seu carro. Ele me olhava como se apreciasse cada risco preciso do meu rosto e como se tivesse algo mais a ser lido ali além da minha beleza, por enquanto, natural. Ele ligou o carro e meu corpo tremeu, senti cada átomo correr e se chocar com outros, provocando um acidente dentro de mim e um estado de euforia inexplicavelmente visível por ele. Minhas mãos estavam inquietas, meu corpo dormente ardia, minha mente em flashes via e não via o rosto que estava em minha frente rindo. Eu sentia as rodas no chão, sentia a gasolina correr em minhas veias, sentia correr. Sentia partir, sentia chocar. Mas eu estava dormente. Sentia ele pisar no acelerador e o carro tremer, girar, subir e descer, sentia virar do avesso e sentia necessidade de mais velocidade. “Vai mais rápido”. Ele me olhava maliciosamente desejoso de me ver mais, de me sentir mais dormente, e eu sentia as marchas passando, sentia o acelerador indo mais fundo, sentia a agonia do freio se sentindo desnecessário. E meu corpo se tornava cada vez mais rápido, meu sangue parecia fugir e gastar as veias. Ele me olhava. Eu implorava por velocidade. E eu senti o chão passando sob meus pés, senti correr, senti mais rápido. Eu via o mundo passando rápido pelos meus olhos. Via luzes. Via. Tudo mudava tão rápido que eu não conseguia mais saber onde estávamos. E íamos cada vez mais rápido. Me senti plástico. Me senti fumaça se perdendo pelo céu. Sentia o carro flutuar e subir. Como se fosse tão leve quanto espuma. O mundo girava embaixo de nós, cada vez mais rápido. Várias voltas. Foram várias voltas. Foram muitas voltas. Foram muitas. Cada vez mais rápido. Até bater e parar. Ele estava ali, no mesmo lugar. E eu estava também, ao lado dele, no mesmo lugar, no mesmo estacionamento em um estado deplorável e vergonhoso de euforia. “Porra! Atropelei um cara”. Eu o olhava como se tentasse decifrar a mensagem o mais devagar possível para entende-la de fato. “Cara, sai do carro!”. Eu saí e o outro cara estava lá, alguns metros das rodas do carro. Se havia sangue eu não vi. Se ele respirava eu também não vi. Vi que suava. Então ele correu, foi até o carro, trancou a porta, e correu o mundo.

Quando ele acordou, já no hospital, olhou em volta com uma expressão monótona de conhecimento, se levantou e disse que iria embora. “Mas você não pode ir embora”, “Você me colocou aqui, então você também pode me tirar”. O corpo era impecavelmente virginal, intacto. Não havia violações. Os olhos eram perdidamente profundos e o sorriso era inexistente. Eu o agarrei pela mãos, dei suas roupas e o vi se trocar. Quando terminou me olhou, como uma criança olha um adulto esperando a próxima instrução. Eu segurei suas mãos e saímos do hospital. Ele olhava tudo, como se acabasse de ter nascido e tudo fosse novidade. Mas ao mesmo tempo me guiava com uma destreza de quem conhece cada parte do mundo. Eu o acompanhei. Até ele me levar para minha casa. Ele sabia onde eu morava. Ele me conhecia, mais do que eu a mim mesmo.

Comentários

ADOREI o poema Sexta!
belíssimo!

abraço!
FOXX disse…
como vc sabe, amo seus textos
e adorei a nova foto do perfil
Realmente o Big Brother não me emociona, acho uma babaquice este tipo de programa e acho uma certa forma de sadismo as pessoas ficarem assistindo á tortura... física e psicológica ...de outras pessoas.
Mas, é hora de eu me envolver! O paredão de eliminação de hoje é entre Dimmy Kier (DiCesar) e o ultra-homofóbico declarado DOURADO! Um cara totalmente escroto e ignorante, que chegou até a dizer que homens heterossexuais não pegam AIDS! Num verdadeiro des-serviço á saúde pública.
Alguém tem dúvida de quem usaria melhor o dinheiro?
Precisamos eliminar este cara! Entre no site da GLOBO.com e vote! Vote até cair seu dedo! Vote até acabar seus créditos! Vote até sua conta de telefone estourar! Se o Di ganhar vai ser um recado para MUUUUUITA gente!
Senti uma intensidade agoniante nesse texto. Acho que até a imagem piscando me serviu para estar na tensão do personagem.

Fiz algumas leituras. Umas interessantemente literárias, outras no limiar do ingênuo e do pernóstico.

Gostei, adorei "Adão".
Guy Franco disse…
O corpo não era mais virginal, no final.
BAU DO FAEL disse…
boa narrativa..aprecio quem escreve bem...

abraço

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