Adão

Ele procurou um lugar em silêncio. Foi para baixo da ponte que dava acesso a saída da cidade. Não era tranqüilo, mas tranqüilidade sempre lhe lembrou morte. O barulho dos carros em cima da sua cabeça poderia fazer o mesmo, mas pelo menos não era silêncio. Ele quis, ele quis ter alguém e por um tempo ele conseguiu. Não um namorado, mas amigos foram suficientes. Eram suficientes como o vento, eram suficientes como falar, eram suficientes como a suficiência, o querer de algo achando que ele é necessário. Eram assim, um achismo de necessidade.
Pensou na faculdade, nos alunos e na sua mãe. Pensou em amá-la, mas não conseguia. Pensou no pai e no irmão, nada de amor ali. Pensou nos amigos e sentiu um frio, como um cubo de gelo dentro do pulmão. Um frio que caia, caia, caia e suspirava. O frio suspirava, estava vivo dentro dele. Nem chegava a ser um vazio. Era um frio mesmo, um espaço grande, mas gelado dentro dele.
Pensou em Deus. Pensou em como queria que ele estivesse ali, aparecesse tão de repente e dissesse que nada era verdade. Que sentir-se sozinho é ilusão (já ouviu isso dos amigos, mas não havia amor nos amigos, não conseguiu acreditar). Quis ver o rosto de Deus, quis ver que ele tinha espinhas, que tinha o rosto queimado do sol e que tinha os cabelos quebrados. Quis ver as mãos de Deus, com calos e com unhas mal-feitas. Mas lembrou que não acreditava nele e sabia que nada do que ele não acreditava existia, como o amor.
Pensou no que o fazia se ligar aos outros. Pensou em algo que pudesse acreditar e pensou que o que ele podia acreditar seria o amor. Então pensou onde encontrar, pensou nos amigos e na família. Na forma como aquelas pessoas estavam dispostas ao seu redor, como num jogo de damas, cada um em uma base, dois não podiam ficar na mesma. Existia um limite, entre quem é de uma cor e quem é de outra. Era assim, um limite entre tudo. Entre ele e a família, limite entre ele e os amigos e entre ele e o resto, porque ninguém era como ele. Nem Deus era, então também não existia amor em Deus.
Como amar alguém que não é uma parte de você? Como amar alguém que está para além dos seus limites e que não pode cruzá-los? Como amar alguém que não pode esticar os braços e te abraçar, porque não pode sair de sua zona.
Percebeu que não havia amor em nada ali. Percebeu que estava em sua base e ela impunha um limite e uma condição, nada de amor. Foi quando percebeu que os olhares carinhosos que sua mãe lhe lançava nada mais era do que vontade, vontade do amor dele. O pai, percebeu que não era tão mal assim, ele queria amá-lo e o irmão também. Mas era só vontade, amor ali não podia existir. Não se pode amar alguém que não consegue ultrapassar seus limites e ser uma parte de você, é como um quebra-cabeças, sabe? Falta sempre uma parte, não que ela seja necessária, é necessária como o mesmo achismo necessário. É só uma falta e um limite. Percebeu que era só isso.

Comentários

luiz disse…
nossa, é muito triste esse texto, mas viu, relaxa, ame a todos, mesmo q não seja reciproco : )
Arsênico disse…
Ninguém merece atravessar toda uma vida sem acreditar em algo que possa se segurar!!! [Frase do seriado "Glee"]

Precisamos tentar... pelo menos!


***

;D
FOXX disse…
acho q já li esse texto não?
toda essa historia de deus... não adianta dizer nada. cada um tem sua fé em algo de alguma maneira.

mas isso do amor. será q esses limites não podem ser ultrapassados mesmo? será q a mãe dele não faz parte dele? a gte se ilude tnt.
Somniator disse…
"...uma falta e um limite"

Isso me descreve bem: Sinto uma falta constante. E um limite não me permite preenche-la. A triste questão é que passo a perceber que sou eu esse limite. Meus desejos estão guardados atrás de um muro de vidro.

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