Monólogo em duas partes (Prológo de 'Ensolação')


Parte um (Ele)

Ele era um garoto como eu, como você. Ambições se misturavam com os livros da faculdade em cima de sua cama. O computador ligado. Tudo igual das sete da manhã até as 3 da madrugada, mas no período em que dormia (nas poucas vezes que dormia), sonhava, e assim nunca poderia ser igual. Um sonho é um pedaço de conhecido que se tranca num casulo estranho e vira a expectativa do estranho, do desconhecido num sono leve, às vezes pesado e temeroso. Se sentia tranqüilo e satisfeito com o agora, mas não podia conceber a idéia de que o agora viraria o futuro com a mesma cor, o mesmo tempo, ele precisava fazer com que fosse diferente, apesar de saber intensamente que não queria, só precisava de um motivo, ou se desfazer de um que já tinha. Para tanto perdia todo seu tempo com sua cabeça voltada para dentro, falava pouco, comia pouco. Dormia pouco, sonhava muito. Tinha poucos amigos, basicamente os que moravam com ele. E naquele dia todos estavam saindo de casa pintados e com faixas, iam reivindicar por algum direito estudantil que ele não tinha o menor interesse. Não lutaria feito louco por um direito que ele perderia daqui a um ano. Mas foi, queria virar os olhos para o lado contrário de sua mente, nem que fosse por meia hora.
Ele foi, muitos gritos e ele de braços cruzados. Pisaram seu pé, puxaram seu cabelo e passaram a mão em sua bunda. Ele se sentiu extremamente incomodado quando decidiu virar rápido e ir embora. Esbarrou em alguém amarelo, só sentiu a cor raspar o rosto e seu braço. Já no chão viu uma mão estendida e um cara pedindo desculpas, a camisa amarela. Deixou a mão no ar e correu muito, o mais rápido que podia, sentindo o toque amarelo no rosto, como um beijo.


Parte dois (Eu)

Você é, eu sou o nome da contradição. Não por ter em mim tudo que há de dúbio no universo, mas só por existir. Minha vida é uma música triste, ela diz: você tem a dor do mundo estocada no seu corpo. Mas eu sou igual, tenho os mesmos medos de todos, mas em mim há um mecanismo que transforma tudo em dor. O mecanismo age toda hora, até quando durmo, até quando estou no banho e choro vendo um besouro perder a vida na água que meu corpo apara do chuveiro e redireciona diretamente para cima dele.
Não quero ser mais que alguém, não quero ser digno de pena, mas choro sempre que me vejo de fora, tendo contato humano, sei que o outro me sente estranho, me sente frio e cadavérico. Sei que o que faz tudo se afastar de mim é esse vapor gélido que sai dessa máquina acoplada ao meu coração que filtra meu sangue bom e o mistura com mágoa, angústia e sofrimento de boa qualidade.

Comentários

FOXX disse…
vai continuar?
gostei do início
seria um livro q eu leria...
Fred disse…
Gente...
Muito instigador isso!!!!
Continua, Arthur????
Hugz, man!
Beta C. disse…
"Um sonho é um pedaço de conhecido que se tranca num casulo estranho e vira a expectativa do estranho, do desconhecido num sono leve, às vezes pesado e temeroso."

volta, mocinho.

Postagens mais visitadas