Não tenho mais lágrimas. Faz muito tempo que meu rosto não é molhado por minhas lágrimas. Pelas de outros sim, pelas de muitos. Eu choro por dentro. Não nesse senso comum de dizer que é sentimental. Nem choro no coração. Eu choro numa cachoeira que fica em algum lugar perto do meu estômago e que gela tudo aqui por dentro. Eu ando sempre sorrindo, eu aprendi a andar sempre sorrindo, é necessidade mesmo. Eu sempre precisei viver, mesmo que nunca quisesse isso de verdade. Mas dentro de mim é território alagado e é meu. Eu não mando nele, mas ainda é meu. Eu permaneço em pé nesse mundo por convenção. Ninguém nunca me perguntou se eu queria estar aqui. Eu sempre preferi viver na minha mente. É um lugar vazio, escuro em certos cantos, mas em outros é cheio de luz, de poeira e tem um cheiro de algodão doce.
            Uma parte da minha mente é uma grande bola rosa com sabor saturado de açúcar. Com aquela música de carrossel. Tem música aqui, bem em cima da cachoeira. Eu não sei como, e no dia que eu descobrir eu quero trocar tudo por coisas que eu possa não saber de novo. Eu gastei muito tempo me livrando das coisas agarradas a saberes e a certezas que havia dentro de mim. Eu gastei muito tempo pintando minhas janelas para que meus vizinhos não me vissem. Mas esse nem era eu. Nunca tomei medidas para privar meu interior dos outros. Só nunca quiseram enxergá-lo.
            Como um parque de diversões. Você passa horas na fila dos seus brinquedos favoritos, mas não olha para aqueles antigos, você quer os modernos. Mas, mesmo sem você, o carrossel girará para alguém com um algodão doce na cabeça e uma cachoeira em cima do estômago. Isso de que as coisas passam, não é verdade, elas só se permitem se esquecer dentro de alguém, eu deixei algumas coisas se esquecerem em mim. Eu deixei minha infância ser perdida dentro de mim, passando das maldades juvenis dos meus primos, até o desgosto de descobrir que criança não é gente, pelo menos não para os adultos, mas para um carrossel...
            Da adolescência eu não perdi nada em mim, pelo contrário, eu expeli muito, quase tudo e o resto ficou por aí, no bolso da calça de algum garoto magro, de ombros largos e beijo tímido. Minha vida adulta não tem nada para se perder, nem quis se encontrar em nada ainda. Desde que descobri a cachoeira e o algodão doce, eu simplesmente acordei todo dia, coloquei meu sorriso e me deixei vazar por dentro. Ninguém me via, todos me davam bom dia, mas eu, dentro de mim, sempre ouvia a música de carrossel, eu brincando esquecido em algum lugar escuro, cheio de poeira, e a cachoeira sempre chorando.

Comentários

Obrigado querido pelo carinho por lá ... qdo eu voltar comento com mais atenção os poste ...

bjão

;-)
Fred disse…
Coisa intensa. Gostei! E some mais naõ, rapaz!!!! Hugz!
Beta C. disse…
"Eu gastei muito tempo pintando minhas janelas para que meus vizinhos não me vissem. Mas esse nem era eu. Nunca tomei medidas para privar meu interior dos outros. Só nunca quiseram enxergá-lo."

obrigada.
Unknown disse…
De fato, é um modo diferente de ser sentimental. Carrosséis... isso já é covardia.

E sobre seu tempo, não se desculpe por isso. Apenas tente fazer bom uso dele e das suas ideias. Sempre volto aqui.
FOXX disse…
desculpa, mas eu tenho q comentar sobre isso: aquele ano 3: cidade branca já está ali ha muito tempo?

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