Ensolação. Parte 1


Dessa vez ele estava correndo e lhe pareceu, e a mim também depois da trombada que ele irá dar novamente no cara de camisa amarela, que é correndo que a vida toma decisões, ela não tem muito tempo para planos, as coisas precisam acontecer rápidas e é rápido que ela tem a idéia para mudar. Ele sentiu como se o caminho que o levaria naturalmente sem empecilhos até sua sala se distorcia e o transportava para outra região não muito conhecida, mas ainda familiar, ele sabia que estava no mesmo lugar, só que em um ângulo diferente. E agora o boooom (a trombada) e o ‘cara, desculpa novamente’ (a mão estendida) e o medo (outra vez a corrida para longe, mas agora tomando o caminho de volta que o levou sem empecilhos até sua sala. Como da outra vez, a trombada mexeu na sua cabeça por dentro, bem clínico, como uma reviravolta no cérebro, mas se a primeira trombada havia revirado, a segunda desreviraria, tudo deveria estar no lugar, mas como o caminho que se distorceu, a cabeça não revirou, ela pulou, rodou, e se misturou, agora nem de longe (se um dia saísse do coma mental em que entrara no momento da segunda trombada) seria o mesmo novamente).
Quando voltou para casa não falou nem duas palavras e se trancou no quarto, era normal, mas dessa vez ligou a TV que não desligaria nunca mais, estaria ali captando e transmitindo o mundo e ele sem se importar já que agora vive esse surrealismo distorcido, que deveria ser nada mais que o real, como a negação de uma negação. Mas não é.
E agora algumas explicações: sim, o cara de camisa amarela apareceu na sua mente mais algumas vezes sempre de camisa amarela. O nome dele (não do cara de camisa amarela, o dele) é Raul. Raul, o estudante que não tem tempo para vida. Nada mudou em Raul, ele não se tornou mais extrovertido, mais amigo, não começou a usar drogas nem a beber, não comeu a mais a partir disso, sempre a mesma coisa. E isso deveria ser a conseqüência da reviravolta do surrealismo vital que ele estava vivendo (deveria ser o real, mas como já disse, não era). É bem mais simples que isso: não havia nada para mudar. Vocês verão: tudo será o mesmo, com exceção de um novo avatar de ser humano em sua vida. O cara de camisa amarela.
Raul pintou o quarto inteiro de amarelo durante uma madrugada (não dormia muito, apenas algumas duas ou três horas por dia, uns 4 dias por semana), colocou tudo de dentro do seu quarto para o corredor e aproveitou que seus colegas estavam dormindo e ele poderia fazer tudo sem perguntas. Pintou tudo e antes do café da manhã já estava seco. Colocou tudo novamente para dentro do quarto, encostou a cama na parede e dormiu sua uma hora de sono necessária na quarta feira.
Acordou e foi para a aula, seguiu o mesmo caminho, comendo a mesma fruta de sempre, assistiu a mesma aula, entrou na biblioteca e pegou os mesmos livros, voltou pelo mesmo caminho e se trancou no quarto onde a TV ainda estava ligada. Se jogou na cama e abriu os olhos por horas sem piscar para limpá-los, no fim da tarde sentia como uma duna em cada um. Tomou banho, não jantou (não comia muito) e saiu para a rua. Está lá olhando o céu e conversando com um cara estranho que as mãos ficam a apenas 10 centímetros do chão e um metro e noventa de distância da cabeça. É um sujeito muito alto, com braços maiores que o tronco e as pernas, de rosto escuro e voz rouca, esganiçada. Estão frente a frente e Raul esboça um sorriso amarelo tanto quanto a parede de seu quarto.

Comentários

FOXX disse…
texto estranho
não sei se gostei ainda
um pouco de Raul, um pouco dessa apatia que nada tem a ver com apatia.

vc sabe que esse texto dava fácil um curta-metragem. vi até o cartaz de lançamento.
@candido_dan disse…
Traz um certo tom de melancolia e apatia que me aproxima de alguns personagens do filme Amarelo Manga,de Cláudio Assis,que assisti recentemente...coincidentemente o amarelo está nos dois. ;)

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