Cartas de Adão (1)

Natal, 19 de Outubro de 2011

Querido, (não sei do que te chamar)

            Poderia me explicar, mais uma vez, o motivo pelo qual prefere se comunicar comigo através de cartas? Não entendo essa de “Quero guardar você e suas palavras em suas palavras”. Graças a isso me obrigo a escrever à mão todas as cartas que envio para você e sabe muito bem o quão pesado isso é para mim. Sabe da dificuldade que tenho com elas (as palavras), apesar de ser poeta. Sabe que sangro sempre, e sangro muito, toda vez que seguro uma caneta. Aceitaria bem mais se você me falasse que gosta das minhas palavras e das minhas hemorragias.
            Eu tenho premonições, você sabe, e essa noite sonhei com você, mais uma vez. Sonhei que teria, a partir de hoje, quatro dias insanos de pura entrega em uma sala com duas portas, ao seu lado. Você consegue realizar quão insano é essa vontade? Lembra que só nos vimos uma única vez, há três anos? E que desde lá eu sou pura redenção a você? Claro que sim! Perceba, agora, o quanto somos incoerentes: moramos na mesma porra de cidade e só nos comunicamos por carta. Você me diz que sente medo ao discar meu número (e nem sei como você tem meu número). Você é amigo de todos os meus amigos, inclusive os que moram comigo, mas só me visita quando eu não estou em casa. E toda vez que volto, sinto o que acho ser seu cheiro no meu travesseiro, por três dias seguidos. Sabe que isso é meio sádico? Eu sei que você sabe. Mas não entendo, e insisto nisso: diga-me, mais uma vez, qual a razão de você não querer se encontrar comigo? O mesmo ônibus que passa aqui na porta, para na esquina da sua rua. Só me dê um sinal, e eu realizo esses quatro dias de entrega que sonhei, a partir de hoje.
            Mas eu falava das premonições. A partir desses quatro dias, você seria meu por um mês completo. Apenas meu e tudo seria descoberta entre eu, você e a cama. Você alargaria meu mundo de uma forma que jamais pensei. Eu, você e a Coca-Cola no café da manhã. Mas a partir daí, você me falaria da dificuldade em me amar. Em uma noite bem quente, na casa de amigos, em mais uma de nossas luas-de-mel sem casamento, você me diria adeus como amor, e olá como amigo. E então eu teria sonhos suados com você e seu abraço, sempre interrompido. Era sempre uma morte, um assalto demorado, mas nós nunca conseguiríamos realizar um toque novamente. Mas, por um mês completo, você seria meu. Seja meu.
            Desculpe, mas já derramei sangue o suficiente. Espero que seja o bastante para saciar sua vontade, anyway.
            Eu te beijo, longamente, eu te sonho, densamente. Eu sou seu, se quiser, por um mês inteiro.

Adão.

Comentários

FOXX disse…
a assinatura, Adão, é só pra ser o sentido de homem?
Franklyn Kennedy disse…
Thuthu, não sei porque, mas suas palavras me fez lembra a música Amado (vanessa da mata).
Arthur Dantas disse…
"Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais [...] Quero dançar com você
Dançar com você" =/
M. disse…
Arthur... são lindos seus versos em forma de cartas. Simplesmente...lindos.

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