neblina


Nem percebeu quando a neblina começou. A cidade do Sol estava branca com tons cinzas. Já dentro do ônibus não dava pra ver o rosto de ninguém e só conseguiu descer porque algo dentro dele entendia a dinâmica daquela cidade. Sabia que era hora. E era. Esperou um tempo até decidir o que fazer. Morava do outro lado da avenida sempre movimentada. Até agora, nenhum carro passou. De algum lugar um medo veio e se apossou dele. Correu para atravessar até chegar nos bares do outro lado. Ninguém. Sentiu presenças apenas até ver duas meninas sem rosto passando rápido e chorando baixo. Tinha agonia escorrendo do rosto, do lugar onde deveriam estar os olhos. Correu para trás dos bares, para atravessar o cruzamento dos salões de cabeleireiro e tentar se sentir menos pesado. Mas já era tarde e alguém mais sabia disso. Quando olhava para trás ele só conseguia ver dos joelhos para baixo, alguém andando sem rumo, dava pra saber. Tentando seguir uma linha reta. Nem ele estava em linha reta. Nem ele tinha pés. No portão de casa estava sozinho. Tinha apenas algo segurando ele pelo seu entorno. Como que querendo beijar. Nada por completo. Umas partes desiguais. Abriu o portão e já estava no jardim. Os joelhos sem pés. Davam passagem. Ele podia passar. Assim era mais divertido. Subiu as escadas engatinhando, algo o obrigava, um peso nos ombros, uma dor nas articulações e uma gravidade, só que vinda de outro polo. Prensava ele ao chão. Vinha de cima. Uma estalagmite indo de encontro à uma estalactite com uma massa qualquer pulsando no meio. Entrou em casa não dava pra ver nada. Também conhecia a sistemática daquilo. Estava sozinho agora. Só a presença pesada que vinha atrás, seguindo as marcas dos seus passos dados por pés nenhuns. Vinha com nomes na cabeça que formavam um versinho. Não sei quais eram. Continuou engatinhando. Subiu no telhado. Na parte de fora. A neblina sumiu. Ia pular pra casa vizinha, descer pelo telhado, pular no terraço, pedir ajuda, chamar a polícia e estar a salvo. Ficou esperando. Tinha que ter certeza. Foi a primeira vez que o viu de corpo inteiro. Sem camisa. Sorrindo bonito. Olhando com raiva. Cabelos sujos. Pulou, desceu o telhado. Terraço. Vizinha. Não acreditou. E ele disse lá de cima que bonitinho, esses são mais fáceis de matar, só percebem a dor quando já tem pouco sangue pra escorrer. Entrou correndo na casa. Sem neblina. Passou pela sala e sabia que no sofá tinha alguém. Correu para o quarto. Queria pegar o telefone. A menina sumiu. E ele veio, escorrendo. As lágrimas da menina sem rosto. O telefone na mão. Tinha alguém na sala. Viu os cabelos sujos.

Comentários

FOXX disse…
não sei o q comentar...

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