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Eu sei que vai acontecer. Sei que ela vai envelhecer, sei que vai morrer. Sei que eu cuidarei, limparei sua bosta quando eu, com tanto trabalho, esquecer de lhe colocar a frauda e, ai, não confiarei à ninguém a vida daquela mulher. Eu mesmo, eu deixo tudo, serei apenas eu, ou serei eu sempre, mesmo que tenha outra pessoa. E vai acontecer. Ela está hoje, me afaga. Ela anda. Ela fala e, ai, eu sei que ela chora. Eu sei que a velhice será já uma morte para ela, ter que incomodar os outros, ter que alguém limpar sua bosta, ela sentirá vergonha e como posso, Deus, fazer está mulher sentir vergonha? O que faço com isso que sinto, toda vez que penso que ela ficará infeliz? Eu pego essa faca? Eu limpo ela para que seja tudo perfeito com pouco sangue? Eu corto onde? Na garganta enquanto ela dorme e ainda respira sem precisar de aparelhos? Eu faço o que? Eu enxugo o corpo para que continue imaculado como a santidade dela foi durante a vida? Eu faço o que? Eu chamo a polícia ou a ambulância para que tentem salvá-la? Eu matei. Ela não vai sofrer, eu a salvei. Mas, agora, ela está morta como estaria no começo. O que eu faço com todo o sangue?

Comentários

FOXX disse…
já li esse texto...
Arsênico disse…
Pesado e lindo!

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