Ilusões pesadas, de Sacha Sperling

Não é fácil entender e se identificar com Sacha, o personagem principal desse romance de um autor francês muito jovem. O personagem é mimado, descrente de suas próprias capacidades e completamente incapaz de empatia, tanto quanto lhe falta interesse em encontrar um propósito, ou sonho ou objetivo a perseguir.


Sacha vive com sua mãe, separada de seu pai que ele não vê com frequência e nem tem uma relação amigável. Todas as relações de Sacha parecem ser difíceis. O personagem tem em torno de 14 anos, bebe muito, troca o dia pela noite, vai a escola quando quer e mesmo assim não assiste às aulas. A trama do romance é montada quando Sacha conhece Augustin, um rapaz da mesma idade, com quem tem alguns conhecidos em comum. Sacha e Augustin compartilham da mesma inércia com relação à escola, por exemplo, bem como a mesma inclinação ao estilo de vida desregrado e boêmio.


Tanto Sacha quanto Augustin mantém o mesmo tipo de relacionamento amoroso: com garotas e sempre guiados pelo instinto sexual. Uma noite, bebendo com duas amigas, uma das garotas desafia os dois adolescentes a se beijarem. A partir daí os garotos iniciam uma espécie de relacionamento conturbado, um misto de amor e desejo que se concretiza em várias experiências masturbatórias e muito consumo de drogas variadas e bebidas.


Sacha, apesar de não construir esse tipo de pensamento até o fim do romance, se coloca em uma posição sempre inferior a Augustin, que representa para ele um farol de sensatez e racionalidade. De alguma forma, o relacionamento deles é ao mesmo tempo quase inexistente e muito abusivo. O desinteresse de Sacha por qualquer coisa que seja é agravado. Neste ponto, o personagem me causava um desconforto imenso, até que eu percebi que Sacha apresentava vários sintomas de depressão e foi nesse ponto que todo o romance fez sentido para mim.


Não se tratava de mais uma obra de um autor jovem a respeito da falta de limites da juventude; Sacha não era mais um rebelde sem causa. O romance é o retrato de uma juventude que eu tenho cada vez mais entrado em contato (alguns alunos, alguns conhecidos): uma juventude que não tem uma razão de ser no mundo. Ele não se encaixa por mera rebeldia, ele simplesmente não sabe onde se encaixar. Assim, se agarra a qualquer coisa que justifique sua vida e faça sentido, mesmo que seja o consumo exagerado de drogas ou o relacionamento com Augustin, alguém exatamente como ele.

O romance é muito bem escrito. As frases curtas exageram o sentido de vazio de Sacha, bem como os capítulos curtos. A única coisa que não pareceu natural foi a já batida confusão que os autores contemporâneos tendem a fazer entre a voz da personagem e a voz do próprio autor. Já vi muitos autores criarem essa confusão com maestria, é o caso de João Gilberto Noll. No romance de Sacha Sperling, entretanto, não pareceu se encaixar no projeto geral de escrita. Mesmo assim, o romance é válido pelo choque da representação de uma juventude depressiva e sem lugar na sociedade ainda.

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