nosso reino, valter hugo mãe

Este foi um livro que me fez ter sentimentos mistos. Ao mesmo tempo em que eu, como acontece sempre com os livros de Mãe, me deliciava com o uso poético da linguagem, me sentia saturado de toda a carga religiosa entranhada na escrita, até que eu entendi o motivo. Cresci em uma família católica e apesar de não me considerar pertencendo a nenhuma religião, não consigo parar de ver a influência das religiões cristãs ao meu redor. O livro de Mãe trata do cristianismo, mas trata principalmente da crença.


Benjamin, o personagem principal, é uma criança que vive em uma aldeia pequena, possivelmente de pescadores (como em todos os livros do autor que eu já li). Apesar de não citar o país onde essa aldeia está, pelos elementos culturais podemos perceber que se trata de Portugal, que é um país cristão. Logo no início, Benjamin e seu melhor amigo, Manuel, se pegam imaginando o papel que algumas figuras da aldeia têm, como um sem teto, chamado pelas crianças de “o homem mais triste do mundo” e uma mulher que perdeu toda sua família e cometeu suicídio, chamada de “a louca suicida”. São personagens icônicos presentes no imaginário de cidades pequenas (um imaginário terrível e segregador). A imaginação das crianças começa a criar um mundo permeado por papéis baseados em conceitos de bem e mal.  No fim, eles pretendem assumir os papéis de santos. A partir daí, outras personagens são apresentadas e a relação delas com os dois meninos. O incrível é a capacidade que o autor tem de criar situações em que alguns absurdos criados pela imaginação infantil permeada pelos conceitos cristãos parecem plausíveis, tornando o universo infantil mais realista que qualquer outro.


O trabalho de escrita que Mãe desempenha é muito particular. Li poucos autores que têm a mesma capacidade que ele tem de fazer com que a linguagem pareça um artefato mágico. Ela meche com você em um nível muito profundo e sentimental, dando a impressão de que você está diante de um artigo místico.

Neste livro, assim como nos outros dois lançados logo após, o autor aboliu as letras maiúsculas, até de palavras obrigatoriamente grafadas  com inicial maiúscula, como “deus”, por exemplo. Parece simples, mas uma ação como essa pode suscitar significados muito maiores do que a própria ação.

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