Resenha: Maus, de Art Spiegelman

Como professor e formador de jovens, existe algo que tem me preocupado bastante nos meus alunos: a falta de empatia; a impossibilidade que meus alunos têm de entender, ou de pelo menos tentar entender, o que foi alguns grandes acontecimentos na história da humanidade, como o holocausto, por exemplo.


Eu percebo isso quando uso textos como os da Rosa do povo, de Drummond. Eu percebo que eles não conseguem imaginar o horror de ouvir as notícias a respeito de todas as mortes e os horrores, como o eu lírico do livro que citei acima. Isso é preocupante. Não se relacionar com a nossa história é o primeiro passo para repeti-la.


Quando li Maus, a primeira coisa que pensei foi: “Com isso meus alunos conseguiriam se identificar muito mais rapidamente”. A metáfora animal, caracterizando os judeus como ratos e os nazistas como gatos, torna mais palatável toda a narrativa sem, entretanto, suavizá-la demais ao ponto dela parecer boba. Além disso, o fato de a narrativa seguir um ponto de vista pessoal de quem viveu naqueles campos de concentração faz a história ser ainda mais instigante (do ponto de vista de um curioso) e emocionante.


A história é quase autobiográfica. O pai de Art viveu na Alemanha nazista e é ele quem lhe conta a história. Entretanto, o livro conta a história de Art Spiegelman ouvindo seu pai lhe contar a história de sua vida e transformando-a em quadrinhos. Existem partes da história em que vemos Art como personagem se perguntando sobre a escolha da metáfora animal para representar as personagens reais contadas pelo pai. Além disso, o início de cada capítulo mostra a relação de Art com seu pai, no momento em que se encontram para que a história seja contada, além da relação de Art com a esposa e de seu pai com a madrasta de Art.


Vladek (o pai de Art) e Anja (a mãe de Art) se casam pouco antes da disseminação do nazismo. Têm seu primeiro filho, mas são obrigados a se separar dele para proteger sua vida. Nunca mais o viram. Passam por momentos terríveis, vagando entre cidades até que vão parar nos campos de concentração, separados. Anja sempre fora muito emotiva, sendo psicologicamente abalada por todos os acontecimentos. Vladek, por outra lado, era muito experto e sempre fez de tudo o possível para encontrar sua esposa em todas as vezes em que ficaram separados.


Depois de muito sofrer em Auschwitz (um dos maiores horrores da nossa sociedade), o casal consegue escapar. Mas Anja, emocionalmente abalada, comete suicídio. Art Spiegelman escreveu e ilustrou a história do suicídio de sua mãe, publicada separadamente, mas incluída no volume Maus.


O traço de Art é simples, mas, às vezes, tem muita coisa sendo representada no quadrinho, fazendo com que a percepção de tudo ali desenhado fique um pouco complicada. Mas isso não impede a leitura. A estrutura narrativa também é complexa, evidenciando dramas da vida dos pais de Art e dele mesmo. Existem pontos em que Art se sente culpado por não ter vivido todo o horror que seus pais viveram (sim, é isso mesmo!). De certa forma, é compreensível. Todos os judeus que conseguiram sair vivos da segunda guerra mundial carregam um trauma muito forte que seus descendentes, nascidos só depois do fim do conflito, só podem imaginar (assim como os meus alunos de quem eu falava no início do texto).

É uma história bem escrita, que cria camadas narrativas bem desenvolvidas e que sustenta muito bem a metáfora da fábula (substituindo as pessoas por animais). Não é a toa que se tornou um clássico e, ouso dizer, deveria, sim, ser utilizada como ferramenta de ensino, pois o trabalho de escrita, além do trabalho editorial da Companhia das Letras, torna o livro um ótimo recurso para aulas de História ou Literatura, por exemplo.

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