matinal

Sentir-se perdido em meio ao turbilhão bem contornado das rotinas. Todos os dias de manhã a sensação é essa. Antes do cheiro forte do café. Antes mesmo da brusca consciência de qualquer coisa, isso. Enquanto os pensamentos ainda lutam pela linearidade, a sensação de perda e confusão bem no meio de tudo que lhe é familiar já é facilmente percebida.


Não é bem que seja percebida e não é também que seja uma violência completa. É uma violação. Sente-se conspurcado pelo conhecimento de si mesmo, todo tempo. 

É então que o pavor paralisante do dia lhe enrijece todos os músculos e, a partir de então, tudo que ele conhece é uma terrível realidade imutável, uma agonia perpétua, uma imobilidade sebosa.

Esse era o momento para surgirem as lutas. Mas não. Esse é o momento da consciência, quando se percebe todo o arranjo de arames que tenciona os músculos, as cordas invisíveis que controlam o destino das dores de cabeça. Mas uma resistência não vem. Vem entrega. E tudo de terrível que sempre vem com ela.

Abre os olhos e vê ainda o teto. A falha no gesso, a luz que sobra da cortina. E todo o resto vem. A noção de responsabilidade. O medo da falha. A familiaridade da falta. A aceitação de que seu corpo não é seu, mas é. 

A terrível aceitação do seu próprio corpo como outro, mas seu. Como uma célula morta ainda grudada na superfície da pele que é você mesmo, burlando as leis paradoxais. É o ódio, a condescendência, o valor quase negativo de si mesmo. É uma natureza morta, onde se é ao mesmo tempo o tema, a tinta, a tela, o pintor, o espectador e o curador do museu.

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