Vida de leitor: Bibliofilia - estou curado?

Sou viciado em livros. De verdade. Poucos programas me dão tanto prazer quanto ir a uma livraria passar horas vendo as estantes e escolhendo um livro para levar. Segundo o dicionário, isso se chama bibliofilia: amor pelos livros, em especial os raros e difíceis de achar. Mas essa definição não se encaixa muito comigo. Eu amo os livros de uma forma geral, qualquer coisa sobre eles: desde as editoras de estimação (todo bibliófilo tem algumas editoras que ama mais que outras), até as capas, os autores, o papel, o cheiro e o próprio ato de estar comprando um livro. Tenho uma estante repleta de livros que comprei e nunca li (acho que o número chega perto dos 100, não é tão alarmante assim, né?). O problema começou a se apresentar para mim quando passei a perder um pouco do interesse pelos livros que comprei e estão na estante há mais de 5 anos (são poucos, mas estão lá) e já não me despertam tanto o desejo de lê-los. Alguns nem sei mais o motivo de ter comprado. Fiz promessas a mim mesmo de que não seria mais tão impulsivo assim, estabeleci metas de apenas comprar livros novos depois de ter lido alguns que já tinha comprado, mas não deu certo. Até recentemente.

Neste último mês percebi que em todas as minhas visitas às livrarias eu saí de lá sem nenhum livro nas mãos. Pensei na hora: estou curado! Mas não sei se é bem isso. Uma série de fatores se apresentaram: não há publicações recentes que me interessem. Mas isso é uma mentira: a nova reunião dos poemas completos de Fernando Pessoa fez meu bolso tremer na hora. A publicação em box de todos os romances de Machado de Assis também, além do romance novo de Valter Hugo Mãe (um dos meus escritores preferidos). Então qual o motivo de eu entrar numa livraria e preferir não comprar nenhuma dessas maravilhas literárias? A questão financeira pesa (e muito!), mas sempre soube fazer concessões para me permitir comprar meus livros, então talvez não fosse isso. A estante de livros não lidos que cresceu muito nos últimos anos? Talvez, mas isso não me preocupa muito também a ponto de fazer parar de comprar livros. As livrarias da minha cidade não têm um acervo que agrade o meu gosto? Não, já que não vejo problemas em comprar livros pela internet e também parei de fazer isso.

Não sei explicar bem o motivo disso estar acontecendo, mas acredito que tenho um responsável direto por isso: estou satisfeito com minhas leituras atuais. Na metade de novembro comprei “Minha luta: A morte do pai”, de Karl Ove Knausgård e estou obcecado pelo livro. É quase impossível parar de lê-lo! Há tempos que busco por uma leitura assim, que preenche completamente a necessidade de ter um livro nas mãos, de submergir na escrita, de conhecer de forma tão profunda o trabalho de um escritor. Quando entro na livraria e passo por todas as estantes, sempre me deparo com a ideia de que prefiro voltar para casa e continuar a ler Karl Ove. Nem a Black Friday conseguiu me fazer comprar um livro sequer.

Então me deparo com o horror da vida de alguém que encontra um livro para se afogar: ele vai acabar em breve. Será que voltarei a minha busca por uma leitura que me cause exatamente a mesma espécie de completude que estou experimentando agora? A sorte é que sei que o livro de Karl Ove é só o primeiro de uma série de seis (no Brasil a Companhia das letras publicou até o quinto, por enquanto). Então terei muito dessa experiência pela frente. Ainda bem. Mas ela vai acabar, eu sei que vai. Não sei se o tratamento iniciado com a “A morte do pai” irá me fazer ponderar mais a respeito das minhas compras de livros, espero que sim (o bolso agradece!). Não sei se depois que acabar essa saga eu voltarei a minha vida desenfreada de consumidor de livros que se empilham na estante. Espero só que o processo de abstinência (se ele vier) seja tranquilo. Nada pior que uma ressaca literária.



Imagem: Der Bücherwurm ("O livro sem fim"), óleo de Carl Spitzweg(1850).

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