Sabrina

“Olha o viado” disse o homem mais magro. Sabrina não se importou com as palavras ditas em tom de insulto. Crescera ouvindo as palavras e elas já não lhe causaram dor alguma, apenas a constatação de que aquele mundo não a aceitaria ainda como a mulher que nascera para ser.


Continuou andando com seu rebolado firme em cima do salto alto, a roupa colada mostrando as curvas nada masculinas de seu corpo, cobrindo toda a parte superior, mas deixando a mostra suas pernas envoltas em uma meia calça do tom da sua pele: nem tanto negra e nem tanto branca, aquilo que se convencionou chamar de morena, ou até mulata. O seu cabelo trançado fino balançava ao vento marítimo de Natal, que ali, na zona sul, soprava constantemente graças à proximidade com o mar.


Demorou um pouco a perceber que os dois homens a seguiam. Ela tentou andar mais depressa, mas, apesar da destreza sobre o salto alto, a rua lateral do supermercado, em calçamento de pedras, dificultava aquele andar de fuga que ela e tantas outras amigas e amigos usavam como forma de defesa. Nem correr, nem andar. Um meio termo que permitia aumentar a distância entre ela e os homens que permaneciam gritando as palavras em tom de insulto.


Já no ônibus Sabrina se deparara com aquilo, mas lá foram os olhares. Olhares de ultraje dos quais nem sua barba impecavelmente aparada todos os dias para extirpar um dos últimos traços de sua masculinidade atribuída conseguia  lhe salvar. Nem a maquiagem meticulosamente bem feita, nem a feminilidade natural a salvava. Nada disso nunca a salvaria de ser sempre vista como um homem? Uma imitação? Um interstício entre a polaridade social macho/fêmea?


Apesar da pseudo corrida os homens se aproximavam quando Sabrina finalmente atingiu o ponto da longa rua dominado pelos garotos de programa. O mundo deles terminava e o seu, a margem, iniciava. Vários homens fortes, com músculos construídos na academia se postavam dos dois lados da rua, com suas roupas de marca, seu ar extremamente masculino, esperando por clientes. Sabrina se comparou a eles. Aquilo que ela renegava era o trabalho daqueles homens: viver do estereótipo.


No fim da rua, já na esquina, avistou suas amigas, muitas como ela, outras não. Ao olhar para trás viu que os homens que a perseguiam não conseguiram passar pelos garotos de programa, que se postaram no meio da rua não tanto para defendê-la, mas para demarcar os limites daquele mundo.

Mariana, fumando, lhe perguntou se havia algum problema. Sabrina apenas jogou seu cabelo trançado por sobre os ombros, sorriu, e disse que nada demais.

Imagem retirada do site: http://www.cress-mg.org.br/Conteudo/fc4bc1a7-eb61-4c60-9a09-69b341f1a94a/Negras-e-o-porqu%C3%AA-de-um-feminismo-s%C3%B3-delas
Não detenho nenhum direito sobre ela.

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