Considerações sobre "Moonlight"

CUIDADO! ESTE TEXTO PODE CONTER SPOILERS

Para começo de conversa

Não sou especialista em cinema nem um grande apreciador, gosto de obras que me chamam atenção por aspectos técnicos, personagens, enredos, e a minha formação acadêmica, que me permite atuar como crítico literário, me dá alguma bagagem para enxergar questões de construção do texto que talvez passem despercebidas para algumas pessoas. Logo, isto não é uma resenha, nem uma crítica, por isso coloquei no título “considerações”. Aqui apenas ressaltarei os pontos que acho necessários e que me tocaram de alguma forma quando assisti ao filme. Sintam-se livres para comentar e ampliar o diálogo comigo, meu blog me serve para isso e espero que sirva da mesma forma a vocês. Vamos lá.

As cores

Desde as primeiras cenas as cores de Moonlight me chamaram a atenção. É um recurso muito comum que a edição de filmes e séries escolham filtros de cores específicas para passar alguma questão emocional para o telespectador. Se você nunca ouviu falar sobre psicologia das cores, vale dar uma pesquisada, pois isso é muito usado também em publicidade para fazer-nos sentir que precisamos consumir alguma coisa que vai preencher uma lacuna em nossas vidas. Não sei dizer ao certo que técnica de ajuste de cores foi usada em Moonlight, mas me parece que a edição levemente aumentou a saturação, o que deixa as cores mais fortes e vivas, ajudando a contar uma história sutil de forma mais intensa. E, só para ser mais óbvio, basta olhar o pôster do filme para entender que as cores têm muita relevância na construção da narrativa. Cenas específicas todas baseadas numa mesma cor, como amarelo, por exemplo, são muito comuns.

A cena da aula de mergulho e nado

É perceptível uma analogia clara nessa cena ao próprio ritual do batismo. Além da questão simbólica da água como agente de limpeza e renascimento.

Surpresas

Minha principal surpresa foi a atuação de Janelle Monáe. Já conheço sua carreira musical e a admiro muito, mas nunca tinha visto ela atuar (ainda não vi Hidden Figures, mas está na lista). Monáe atua de forma natural, dá a sua personagem uma veracidade impressionante e faz com que as cenas onde ela aparece (apesar de serem poucas) sejam de uma sutileza que lembra muito o amor maternal.



Consolidação

Mahershala Ali é um ator foda. É isso o que tenho para dizer. Também cheguei a assistir poucas coisas que ele fez (basicamente seu papel em Luke Cage, da Netflix), mas a seriedade com que atua é inabalável e vê-lo em dois papéis tão diferentes, fortes e importantes mostra a versatilidade do ator. Algo que, sinceramente, anda em falta no cinema atual.

A questão racial

Existe um subtexto muito interessante a respeito desse ponto. Envolvendo ao mesmo tempo o empoderamento da população negra e todo o lirismo da cultura afrodescendente, o que adiciona mais uma camada importante ao enredo geral do filme já que ele é construído por meio da vida de pessoas negras (não vou adentrar no fato de um filme escrito por negros, dirigido por negros, atuado por negros ter ganhado o Oscar de melhor filme por acreditar que essa conquista é por demais importante que meu humilde texto não irá acrescentar nada a ela).

Problemas sociais e segregação dentro da própria população negra

Chiron, apelidado de Little e personagem principal do filme, é ajudado por um homem que parece ter algum controle sobre o comércio de drogas na periferia de Miami, onde moram. A mãe de Chiron claramente repudia essa parceria, sem deixar muito claro no início por qual motivo. Até uma determinada cena em que Juan (o homem que tomou conta de Chiron) a põe contra a parede e explora toda a hipocrisia da personagem.

A sexualidade

Existem muitas cenas, todas tratadas de uma perspectiva muito sutil, que sugerem uma descoberta natural da sexualidade de Chiron, que vai se desenvolvendo ao longo do tempo. Apesar disso, cruzando essas cenas sutis existem questões muito difíceis que são vividas por Chiron a respeito de sua sexualidade quando se trata da visão dos outros sobre ela: a própria mãe e os colegas de escola. Eu só consigo dizer que esse tema, no filme, foi tratado com delicadeza. Na conclusão desse texto eu explico melhor o que considero “delicadeza”.

O olhar das câmeras

O que posso dizer é que é certeiro. Associado ao tratamento dado às cores aproxima o trabalho de câmera ao de grandes cineastas consagrados da indústria e da crítica.

A sutileza

A cena em que Chiron pergunta a Juan e Teresa (Janelle Monáe) o que é um “boiola” e se ele é um poderia ter se tornado um grande desastre pendendo para um dramalhão de clichês acumulados por Hollywood que já não fazem sentido desde o seu começo e que nunca conseguiu representar o momento da descoberta da sexualidade de um personagem. Um ponto ultra positivo para o filme.

Poesia

Vou apenas dizer que existe. Está lá. Em vários lugares. Espero que vocês encontrem.

Conclusão


Delicadeza é atenção ao detalhe e ela não está associada apenas a sutileza, brandura, esses adjetivos e advérbios que usamos para designar coisas que tiram força da falta de força. A delicadeza também é bruta, mas ela é bem construída e é isso que está no filme: delicadeza, atenção aos detalhes, riqueza, vertentes, prismas (para retomar o assunto das cores). Moonlight se destaca por fugir dos clichês de Hollywood, um filme que opta por explorar questões cotidianas de um ponto de vista mais sutil torna os próprios temas mais próximos da vida, quando geralmente o que acontece, na arte, é o oposto. 

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